segunda-feira, 16 de maio de 2011

O autor desconhecido

   Tinha um menino na minha aula há um tempo atrás, não lembro o nome dele. Talvez eu nem saiba o nome, ou não seja importante. Ele sentava bem ao fundo e nunca falou com ninguém. Era meio estranho, mas eu tinha uma simpatia especial por aquele garoto calado. Acho que me identificava com ele. Sei lá.
   Lembro perfeitamente um dia em que ele chegou na escola com uma rosa vermelha e entregou à professora.Todos riram dele, menos eu e a professora. Ambos estávamos muito encantados com aquele gesto e não debochamos. Ela sorriu e agradeceu, eu sorri. Ele também sorriu, mas cabisbaixo. Parecia estar tentando esconder sua alegria ou algum outro sentimento dentro de seu sorriso amarelo.
   Uma menina sentava atrás de mim e, se não me engano, se chamava Aline... ou Marina... Todas as manhãs, ela passava por mim e sorria. Eu sorria de volta. E era feita disso, a nossa amizade.
Eu ficava horas imaginando como seria beijar ela. Como seria olhar no fundo dos seus olhos verdes e dizer o quanto ela era importante pra mim. E que era ela - e só ela - que enfeitava meus sonhos à noite.
Nada disso tinha a vontade suficiente para pular fora do meu peito, das minhas mãos e boca, e ir ao encontro do seu Eu também... A vontade existia, e como existia, mas talvez me faltasse coragem.
   As rosas começaram a ficar frequentes. Uma por semana. Eram vermelhas... depois rosas... amarelas... e, um dia, branca. Os colegas já não riam. Estavam acostumados àquele gesto, quase que diário. E eu continuava atônito a cada flor entregue em mãos à professora. Ela nem era tão querida assim e muitas vezes esqueceu até de agradecer. Talvez já estivesse acostumada. Ou enjoada daquilo.
Eu ainda achava que aqueles presentes tinham algum significado oculto.
   No dia em que a rosa branca tinha sido entregue, o aluno deixou um caderno velho debaixo da carteira. Peguei, mas não tive tempo de entregar. Levei pra casa, sem abrir. Guardei o caderno na mochila. Iria entregar quando o visse de novo, no outro dia.
   Passou um dia, dois, três. O colega não voltou à escola. Fiquei preocupado... mas parecia que só eu notava sua falta. Quando cheguei em casa, na sexta-feira, deitei na cama e, enquanto sonhava acordado com a Aline (ou Marina), comecei a folhear o caderno.
   A princípio, eram apenas rabiscos. Depois viraram poemas, cartas, frases soltas... Descobri um gênio! Passei o final de semana inteiro em casa, lendo e relendo as anotações dele. Descobri o significado das rosas nuns versos que diziam... Sinto por não poder dar tudo o que mereces. Por isso entrego a outra o que é teu. E sou eu. Só que ainda faltava alguma coisa. Entendi que as rosas não eram para a professora... mas, então, para quem?
   Na segunda-feira chuvosa que se seguiu, fui à escola, apesar do mau tempo. Precisava elogiar aquele menino. No meio da aula, o diretor apareceu e deu a notícia de que um aluno tinha sido encontrado no Riacho da Figueira, e que nós poderíamos voltar para casa.
   No dia seguinte, não havia alunos nas mesas. Ao invés do caderno e da caneta, encontramos uma rosa branca em cada carteira. Para, talvez, lembrarmos de quem nunca tínhamos lembrado.
Na última página do caderno dizia em letras grandes Não dá mais. Faça com isso o que quiser... nem precisa lembrar meu nome. Afinal, ela nunca lembrou. Eu posso não te conhecer, mas te amo. Adeus.
Sim, ele não me conhecia. Porém, eu o conhecia. Talvez melhor do que muitos. Sabia os seus medos, seus anseios, sua paixão secreta. Só não sabia o seu nome.
   Pensei em publicar aquele caderno como um livro, mas não seria certo. Deveria ter um nome e eu não poderia usar o meu... Então eu espalhei aquele diário pelo mundo, usando nomes falsos ou de autores conhecidos. Talvez você já tenha lido alguma coisa escrita pelo Menino Sem-Nome, mas não sabe.
Deixo aqui o último recado à menina por quem ele foi apaixonado. E uma coisa pessoal: Não espere que seja tarde demais.

Eu já vi muitas coisas que não queria ter visto. Eu senti coisas que ninguém deveria sentir. Mas também vi uma pessoa linda, talvez a mais linda. E senti o sentimento mais profundo e mais bonito que alguém um dia já sentiu. Sei que você nunca vai ler isso e com certeza eu não diria, se tivesse a chance. Mas no meu íntimo eu queria que você soubesse de tudo que escrevo neste meu velho companheiro de solidão.
Acho meio estranho falar assim tão abertamente com alguém que não posso ver, nem tocar. Só que é muito mais legal assim... à distância. Eu passei a minha vida toda amando e sofrendo de longe, que já me acostumei. E agora, vou embora. Para deixar de sofrer e continuar te amando para sempre... à distância.
(Autor Desconhecido)

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